Um dia em uma cadeira de rodas

Oi Oi! 
Há alguns dias venho escrevendo esse post e acabou demorando um pouco em razão de ter muita coisa pra escrever e descrever. 
Primeiro de tudo: Quebrei o pé e torci o tornozelo uma semana antes do meu tão sonhado show dos Backstreet Boys em Porto Alegre, dia 15/06/15. 
Minha primeira reação foi de susto e depois comecei a pensar como seriam os próximos dias com gesso, muletas, banho sentada, dependência pra praticamente tudo, incômodo pra dormir. Tudo isso não foi nada perto do que eu senti quando sentei em uma cadeira de rodas para poder ir ao show dos meus sonhos. 
É muito difícil alugar uma cadeira de rodas em Porto Alegre. Eu não sei como é em outras cidades/estados, mas em POA era impossível. A diária custa em média R$8,00 - até aqui tudo bem, mas tu tens que alugar ela por - no mínimo - 30 dais e deixar um caução em dinheiro de em média R$1.200,00. É caro e praticamente inacessível. Pra quem realmente precisa de uma cadeira por tempo indeterminado é mais fácil comprar do que alugar. No fim consegui uma emprestada.
Dito isso, começamos a saga da cadeira: como eu iria no show dos Bakcstreet Boys?Os problemas começaram quando eu, por diversas vezes, liguei pro PEPSI ON STAGE pra saber sobre a acessibilidade. Eu sou advogada e conheço os meus direitos. Conheço a lei da acessibilidade e só é permitido um acompanhante pra cada portador de necessidade especial. 
O PEPSI ON STAGE não me forneceu nenhuma informação sobre o espaço de acessibilidade e muito menos se ele iria existir. Não me repassaram nenhuma informação sobre fila preferencial.

Chegamos no local do show e nos encaminharam pra uma fila que não era da PISTA, mas era plana o suficiente pra deixar a cadeira. Não existia fila de acessibilidade até então. As pessoas não te dão espaço pra passar, não te respeitam e te olham de cara feia. Como se eu estivesse adorando estar naquela posição. 
Duas horas na fila, fui abordada por um repórter do G1 na fila. Conversamos e ele pediu uma foto pra ilustrar a matéria e nós autorizamos. O repórter ainda fez uma brincadeira, dizendo que iríamos ficar em um lugar privilegiado pra poder enxergar o show... eu fiquei constrangida, mas disse: tomara que sim, pois eu realmente quero ver o show. 
Uma hora antes de abrirem os portões um segurança veio até mim e me informou sobre uma fila de acessibilidade que estava se formando pra poder entrar antes de todo mundo e não ser pisoteada. Fomos pra essa fila e conhecemos algumas pessoas com histórias super interessantes. Uma delas foi a Karen Novaes, a única cadeirante além de mim, que mora em Tramandaí e foi pro show acompanhada do marido (ela respondeu algumas perguntas e eu vou transcrever aqui pra vocês terem outra ideia de como foi). Conhecemos também a Keli, grávida de gêmeos (que já nasceram :D), que estava sozinha na fila e a Sthe, minha prima, entrou como acompanhante dela, pra poder me ajudar. 
Entramos aos trancos e barrancos, uma menina ATROPELOU MINHA CADEIRA na fila mesmo. Entramos junto com o pessoal que tinha pista Premium. Foi uma confusão, eu gritando pra pedir que as pessoas me dessem passagem. E ninguém olhava pra frente, pro lado, pra baixo... muito menos pra mim. 
Fomos direto pro banheiro e eu simplesmente não conseguia entrar. As pessoas não saiam da frente e não me davam passagem. Com muito custo consegui passagem. O banheiro foi um inferno. O de deficiente estava lotado de coisas, tipo um depósito e a funcionária de má vontade perguntou se tinha que tirar o balde de água e o resto lá de dentro. 
COMO ASSIM? Era meio óbvio que sim né. Depois disso fui pra área destinada aos portadores de necessidades especiais. 
O espaço era do tamanho da minha cozinha e já estava lotado. Consegui um lugar pra colocar minha cadeira (ao lado da Karen) e minhas acompanhantes cederam as suas cadeiras para os outros portadores de necessidades. 
TINHAM 9 CADEIRAS PRA TODO MUNDO. 9 CADEIRAS! E ÉRAMOS, MAIS OU MENOS, 20 PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS E SEUS ACOMPANHANTES. 
Resultado: Acompanhantes de pé e as pessoas paradas atrás gritando em coro: "SENTA, SENTA" - "VAI EMBORA". Bolinhas de papel, empurrões. Ficamos com medo que jogassem bebida. Uma menina invadiu o espaço querendo colocar os outros pra fora. GENTE, QUE ISSO? Eu nunca me senti tão desrespeitada e tão humilhada na vida. Na frente eu ouvi uma menina dizer: "ALEIJADO FICA EM CASA". Não é possível que as pessoas sejam tão sem noção assim. 
Nós ficamos entre a PISTA e o PREMIUM. Tinhamos pulseiras do ingresso premium. Os acompanhantes poderiam ter assistido o show lá na frente do palco. Mas não, RESPEITARAM TODO MUNDO E FICARAM NO LOCAL INDICADO, JÁ QUE NÃO PAGARAM POR AQUELE INGRESSO. 
Eu, que estava sentada, vi muito mal o show. Não consegui ver muita coisa nítida. Nos colocaram tão longe do palco, que eu teria que me levantar pra enxergar bem. Os acompanhantes viram bem porque estava de pé, acima dos outros, mas quem portava necessidades especiais como eu e a Karen, não conseguimos enxergar. 
"Os desiguais devem ser tratados desigualmente, para se obter a igualdade", já dizia minha professora de Direitos Humanos, Virgínia Feix. 
Eu, enquanto portadora de necessidades especiais naquele dia, me senti desrespeitada. Uma menina disse na minha frente: "Seria desumano subir aqui na grade e ficar na tua frente", com cara de nojo e debochada. NÃO! SERIA FALTA DE RESPEITO! 
O PEPSI ON STAGE não fez absolutamente nada pra que nós nos sentíssemos bem naquele espaço. Não disponibilizaram cadeiras e espaço suficiente pra todo mundo, nos colocaram tão longe do palco que eu só via a cabeça dos outros, porque não conseguia me esticar. Não disponibilizaram telões pro público. 
Mas o pior mesmo foi ter que ouvir as pessoas me mandando pra casa. Eu me senti muito triste. Não consigo acreditar que isso realmente faça parte da rotina de milhões de pessoas
**Portadores de necessidades especiais, sejam quais forem, merecem respeito e acolhida de todos os estabelecimentos públicos e privados. O desrespeito e a humilhação me marcaram de uma maneira que eu simplesmente não consigo mais aceitar esse tipo de coisa. **

Aquela velha história: Estacionou na vaga de deficiente? Multa CARA, R$3.000,00 à vista sob pena de apreensão do carro (penhora e devolve o resto, sei lá!), sem recurso. É só um minutinho... NÃO EXISTE MINUTINHO. E eu conheço advogado que faz isso - QUE VERGONHA!!!!!!

O que são as calçadas? A falta de educação das pessoas que se atravessam na frente e não dão passagem? Os olhares maldosos ("espertinha, acha que vai ficar em um lugar melhor que o meu").

Enfim, eu voltei a andar 28 dias depois desse episódio. **Mas e quem não voltou ou não voltará? Até quando a gente vai permitir que as pessoas sejam ignorantes e preconceituosas com as pessoas que portam necessidades? **

Então, vou transcrever uma parte da minha conversa com a Karen, que é portadora de necessidades especiais, já passou algumas vezes por esse tipo de situação e mais uma vez se sentiu desrespeitada. Ela é muito fã de Backstreet Boys e estava realizando um sonho, foi super querida comigo no dia e atendendo aos meus questionamentos.  Obrigada pelo teu relato Karen!

"Meu nome é Karen Tatiane Novaes, tenho 32 anos, e estou desempregada.
Sou portadora de deficiência, tenho uma lesão permanente devido a uma fratura de fêmur e perda óssea de 6,5 cm.
Como meu problema é mais de dificuldade de mobilidade e a não possibilidade de ficar grandes períodos de pé, me locomovo facilmente com auxilio de muletas, porém como me foi dito pelo Pepsi On Stage que não seria disponibilizado cadeiras, me obriguei a ir de cadeira de rodas pois não conseguiria permanecer de pé durante o show todo.
Tanto o Pepsi on Stage quando a Ticket for Fun garantiram que o local teria boa visibilidade e seria **BEM **próximo ao palco, a Ticket não sabia responder se seria na Pista Premium ou na Pista Comum, mas mesmo assim garantiu ser próximo ao palco, o Pepsi disse que seria junto a área VIP, (...) essa estrutura não foi montada. A área VIP foi posta na frente do palco enquanto a área para PNEs ficou no limite do começo da Pista Comum, com a Pista Premium toda na frente da área PNEs.
Me senti enganada, pois depois da produtora e da casa de show me garantirem , dizendo que eu poderia ficar tranquila, que eu teria uma boa visibilidade, a minha felicidade de realizar um sonho que era ver os Backstreet Boys foi por água a baixo, pois não era possível ver quase nada se eu permanecesse sentada. 
Antes do show fui tratada muito bem tanto por funcionários como pelas fãs que estavam na fila aguardando o show, mas tudo mudou quando fomos levadas pelos seguranças para a área destinada aos PNEs, lá fomos colocados em uma "ilha" com no máximo 0,50cm mais alto que a pista que nos deixava com a visão, não acima das outras pessoas, mas na mesma altura de quem estava de pé. Nesse local foram disponibilizadas cadeiras insuficientes para todos os deficientes, idosos, gestantes e seus respectivos acompanhantes, onde quase metade das pessoas que estavam nessa área teve de permanecer de pé, ficando assim na frente de quem estava na Pista Comum, atrapalhando a visão dos mesmos. Foi então que começaram os protestos contra quem estava de pé, que sofreram de uma humilhação sem tamanho, escutando vaias, xingamentos, foram atiradas bolinhas de papel e garrafas de água vazias. Um único segurança impedia que a área fosse invadida. Enquanto tudo isso ocorria, nem foram postas as cadeiras faltantes e nem fomos realocados onde não interferíssemos a visualização de ninguém, onde nós teríamos boa visibilidade e onde não sofreríamos essa humilhação. 
Após o show o medo cresceu, e não foi só em mim, pois outras meninas também esperaram todos saírem, pois estávamos com medo de sermos linchadas na rua, e após os seguranças nos colocarem pra fora, fecharam as portas e não ficou nenhum segurança na rua, sorte nossa que a maioria da multidão já havia se dispersado.
Voltar ao Pepsi é algo difícil, pois confiança é uma coisa que depois de quebrada não é fácil juntar os caquinhos, pois por mais que me garantam que tudo será como deve ser, boa visibilidade, independente se perto ou longe do palco, mas que eu sentada possa ver o show todo, mesmo tendo essa garantia eu não voltaria, pois eles me garantiram e não foi cumprido!!! 
Pretendo entrar com uma ação contra a Ticket e o Pepsi, já que um empurrava as questões pro outro quando perguntava sobre a área PNE e ninguém queria se responsabilizar. Nenhum dos dois sabia onde seria o local destinado aos PNE, e mesmo assim me deixando na ilusão de que teria uma boa visibilidade e BEM próximo ao palco (cifro o "bem" pois é isso que está escrito no e-mail que me enviaram e nas gravações das ligações que fiz!). 
Até onde sei isso é propaganda enganosa. Sem falar da humilhação que meu marido e eu passamos. Como eu disse antes, o que me foi tirado naquela noite não pode ser reposto, mas ação é para que, talvez doendo no bolso, eles não repitam isso com outras pessoas, pois não desejo o que passei, pra ninguém! Sem falar que a casa não tem preparo para receber PNEs, pois se quisesse ir ao banheiro, depois de ter chegado ao local à nós destinados, seria impossível pois teria de atravessar uma multidão, se acontecesse qualquer catástrofe, um incêndio, por exemplo, morreríamos todos, pois só após todas as pessoas saírem que seria possível a nossa retirada. Insegurança, despreparo, não sei nem como ainda funciona uma casa dessas!
Espero que tenha ajudado! Beijão!"

Enfim, espero que vocês tenham gostado do post de hoje, ele não é de fato algo pra se gostar né, é mais pra que a gente tome ciência do que acontece do nosso lado e veja os portadores de necessidades especiais de uma maneira mais humana. Nós não somos iguais aos outros, mas todas as pessoas merecem respeito acima de qualquer condição.